Helm Castelo Cinzento - 1

Reino dos Ivendorianos de Inaradrinn, Ano 369 D.A. 

No início eles acreditam serem normais, que talvez façam parte do mesmo mundo que todos os outros ao redor, mas aos poucos vão percebendo que não passam de um bando de bosta fora da latrina. O desespero toma conta de seu ser na mesma medida em que para todos ao redor, eles aparentam estar melhorando. Vê a dualidade?
Por dentro são como um turbilhão de sentimentos todos colidindo em uma gangorra de euforia e depressão. Se ao menos os que estivessem ao seu redor percebessem o quanto são capazes, o quanto poderiam ser produtivos se motivados ou desafiados, não os classificariam como imprestáveis.
Aloprados, espeloteados, preguiçosos, vagabundos. Ao Longo da Estrada muitos se perdem por caminhos que deveriam ser evitados e não por falta de instrução, mas por pura revolta. Eles se sentem como alienígenas em suas próprias famílias, isso quando eles as possuem. Ninguém os escuta, nem ao menos percebem o quanto são afetados por tudo ao redor, não até que a pior das consequências se concretize...
O suicídio.
A partir deste momento, os que passam acreditar piamente que a única saída para a libertação de todo o sofrimento seja dar cabo da própria existência, já estão além de qualquer ajuda. Mas, não por falta de vontade, pois eles sempre estiveram ali, na berlinda do cotidiano de seus semelhantes, implorando silenciosamente por qualquer ajuda, nem que fosse um simples... Está tudo bem?
Então, é só quando o suicídio é concretizado que os hipócritas ao redor começam a perceber o quanto aquelas pessoas precisavam de um pouco mais de compreensão e menos cobrança. Que talvez toda a falta de ânimo para seguir em frente era o singelo indício de um devastador tumor preste a gangrenar. A vida havia se tornado as responsabilidades de escolhas que nunca fizemos, é a carga do Ego alheio nos impedindo de nos tornarmos nós mesmos.
Com Helm Castelo Cinzento não foi diferente. Durante sua conturbada infância ele sempre foi hostilizado por todos ao seu redor, simplesmente por ser um Mestiço, um Híbrido. Helm era considerado um menino fraco, indigno do respeito da sociedade Ivendoriana, dos Elfos de Inaradrinn. Ao longo de toda sua vida ele conviveu com seres que invejavam sua beleza e a força que emergia de seu espírito resplandecendo em seus magníficos olhos azuis. Uma força que nem mesmo ele imaginava possuir. Ele era uma mistura de toda graciosidade e beleza dos Elfos e também o sangue quente, a revolta, a inquietude que o sangue Humano conferia. Quando atingiu sua maioridade formando-se Mentalista dos Demolidores Cruzados de Inaradrinn, aos vinte e sete anos,  Helm já acreditava que era um erro ter nascido.
Então, passou a odiar o sangue Humano que corria em suas veias e a si mesmo. E o ódio foi crescendo em seu coração como um vírus avassalador dominando cada fibra de seu ser. Helm concluiu que não possuía mais nada a perder e que a melhor saída era buscar respostas para seu passado. Ele precisava ir para Áquila, a capital alienígena, o maior conglomerado de Humanos do Império Arthaniano e investigar quem fora seu pai.
O planeta Hakis, um despedaçado planeta  diluviano estava morrendo, com apenas um único continente ainda com terra habitável e recursos naturais, deixando todo o resto podre e inabitável embaixo das águas. Essa região do planeta fora destruída pela radiação OVOLUN emitida pela Nave-Mãe Áquila quando ela matou tudo que havia no planeta Hakis, deixando apenas uma porção de terra em torno dela para governar e dali, extrair o OVOLUN restante que lhe interessa em seus planos malignos de dominação, há exatos 300 anos. Esse local fora chamado de Arthania, mas não primeiramente por ela, e sim pelo Casal Elmer, os pioneiros da raça Humana que vieram dos confins do Mar Profundo com sua Nave Colonizadora e criaram os primeiros Humanos em seus laboratórios de engenharia genética para dominar e chamar de nossa, uma porção de terra que já era habitada e possuíam donos.
Helm sabia que o MEGA OVOLUN lhe revelaria tudo sobre essa questão de Multiverso, vidas paralelas, planos, dimensões alternativas e os Sonhos recorrentes sobre ele assassinando seu amor, seu irmão e um Anão. Ariakness havia lhe traído como jamais ele imaginou, além de nunca ter tido o amor materno ele também fora privado de outro tipo de amor que ele só viera a conhecer com essa maldita Elfa de longos cabelos verdejantes. O Amor da Máscara. A rejeição fazia parte de seu ser e jamais ele sabia que jamais seria amado.
Era hora de dar o fora dessa realidade.
A sociedade Élfica dos Inaradrinn odiava os Mestiços e se não vivessem em um rígido código de proteção a vida, com certeza teriam dado cabo de Helm logo que saiu do ventre de sua mãe, que envergonhada  por ter um casal de filhos fruto de um estupro, estourou os miolos horas depois com uma arma de fogo após ser possuída por uma Abominação Psíquica. Porém uma teoria de assassinato sempre percorreu as mesas dos fofoqueiros gastronômicos de finais de semana. Era só desgraça em cima de desgraça a vida desse Mestiço miserável. Diziam que um Esqueleto Reptiliano, todo verde e com o cérebro exposto materializou-se durante o parto para assassiná-la e impedir que tais crianças viessem ao Planeta Hakis, pois elas seriam a reencarnação de espíritos antigos e maléficos de outra dimensão, de outro universo conhecido como 86. Qualquer que fosse a verdade, as duas possibilidades eram horríveis.
Helm superou todos os tipos de torturas físicas e psicológicas as quais fora submetido durante seus treinamentos para se tornar um Mentalista dos D&DC (Demolidores & Demolidoras Cruzadas), enquanto seu irmão foi levado e criado pelo Orionhorrin Zinkt Martelossangrento, um Anão que lutou ao lado de sua mãe, Kafmanuf Tarror quando reencarnaram Elmer Hakinavis I, o Imperador do Casal Elmer para disputar uma Eleição Arthaniana que resultou na Guerra Psíquica que perdura até agora, uma guerra silenciosa que leva todos os seres a projetarem na realidade monstros personificados de seus traumas recalcados.
Os Ivendorianos queriam apenas os mais fortes combatentes em suas fileiras, ter a facção mais poderosa dos D&DC garantiria um governante em uma das cadeiras do COMANDO MAIOR. Ele nunca se esquecia dos sorrisos maliciosos que se insinuavam nos lábios de seus "irmãos" sobre sua linhagem, sua descendência: Quem é teu pai? Sua mãe foi estuprada? Você é filho de uma princesa suicida! E por muitas vezes foi abandonado à própria sorte nos campos de batalha protegendo as fronteiras da Floresta de Ivendor, de uma sociedade que lhe desprezava. Mas o orgulho e a raiva de Helm Castelo Cinzento, seu sobrenome de bastardo, jamais lhe permitiram morrer pelas mãos de quem quer que fosse. Ele treinava incansavelmente para ser o melhor de todos no que quer que fosse que ele fizesse, ele não aceitava nada menos que o primeiro lugar, pois ele se achava único e especial. Embora a maioria não aceitasse isso, não podiam negar.
Helm nutria um ódio supremo por todos os Ivendorianos e por toda a sociedade da qual fazia parte, por seus costumes, sua cultura e tudo o que naquela terra nascia. Mas, no fundo ele sabia que não havia lugar para ele neste mundo. Todos só queriam saber de entretenimento, acúmulo material e culto ao corpo, vivendo num mundo de mentiras, governados por máquinas alienígenas, com suas mentes presas nos efeitos psíquicos de um dado mágico, enquanto trabalham incansavelmente para encontrarem seu Eu Superior nas benesses do consumismo. A tecnologia alienígena de Áquila havia sepultado as relações sociais, afastado as pessoas, esfriado os sentimentos, transformou a vida em uma super-realidade, onde muitos nem estavam mais por aqui, só viviam do lado de lá utilizando seu dado mágico, o OVOLUN, para existirem em outras dimensões e possibilidades de vida, com Sonhos programáveis que podem durar anos com apenas oito horas de sono e ainda permitir que outros usuários do serviço OVOLUN participem compartilhando o mesmo Sonho.
Helm nunca havia utilizado essa merda.
Conforme dito seis anos atrás por Malévolo Verdejante durante a terrível batalha contra seus antigos aliados, Helm já não possuía forças para continuar com essa existência medíocre. Sua psique estava despedaçada, sua pele transpirava ódio e desespero. Ele já havia desistido de querer fazer parte de algo pelo qual não valia à pena morrer e muito menos continuar a viver, qual era o sentido desse Multiverso? Em sua busca por sua paternidade seis anos atrás, nada além de pesadelos obscuros vieram à tona, um resquício de uma visão sem sentido de um universo paralelo onde tudo o que ele via em seus Pesadelos acabava por acontecer. Mas foi nessa jornada que conheceu o amor de sua vida e por ela fora traído e deixado para trás, Ariakness Tarror, que escolheu estar ao lado de seu irmão gêmeo, o outro príncipe bastardo chamado Heian Ruína de Dragão e do Orionhorrin, o Anão Zinkt Martelossangrento na batalha que armaram para assassiná-lo e reaverem o MEGA OVOLUN, o dado mágico que pertenceu a sua mãe.
Helm só aceitaria morrer por uma causa pessoal. E sem piedade deu cabo da existência dos três, sepultando suas vidas junto de seus mais sinceros sentimentos em uma devastadora batalha nas profundezas do Planeta Hakis há seis anos quando descobriram um devastador segredo sobre o Universo 85. A libertação de todo o sofrimento lhe dará uma nova perspectiva da realidade oculta por trás de tudo, lembrou-se Helm dos conselhos de Malévolo Verdejante no dia dessa chacina familiar. Existem outras possibilidades de você por aí. Eles tentaram convencer Helm de ocultarem aquilo que descobriram pelo bem de todos, na época ele acreditou estar fazendo o certo, porém ele não teve coragem de revelar o que descobriu e acabou por entender que eles estavam certos e agora era tarde.
Então no dia vinte e nove da sétima lua do ano de 369, Helm deixou seu quarto conforme o planejado e deambulou ao longo da madrugada por entre as pontes suspensas que interligavam as gigantescas sequoias milenares de centenas de metros de altura de Inaradrinn, numa ultima marcha de despedida. Totalmente oculto dos olhos dos policiais do Comando Ovolun, Helm abandonou os limites da Capital Élfica e prosseguiu em silêncio até as margens do Lago das Lágrimas, como se fosse uma Sombra oculta de um Ego social. E ali contemplou as águas esverdeadas que receberiam seu corpo.
Tudo estava de acordo como lhe fora instruído seis anos atrás, em toda verdade que ele descobriu com o MEGA OVOLUN. A noite sombria que pairava no lago tonificava os desejos mais profundos de Helm. Uma brisa gélida e sobrenatural acalentava sua alma afinada com o brilho das estrelas que coalhavam a noite azulada. Helm sabia que tudo isso era o rastro da existência de algo muito além de sua compreensão, algo que ele ansiava por descobrir o significado. Algo que todas as religiões prometem que existe depois da encarnação no Plano Material para aqueles que se suicidam: a Danação Eterna.
 Malévolo Verdejante, a Serpente Reptiliana, lhe garantiu que a libertação da holografia da realidade viria apenas com o suicídio, pois para ele, todos os seres eram literalmente como estrelas e os Ivendorianos estavam condenados a brilharem por toda eternidade. Alguns possuíam sua própria luz enquanto outros existem apenas para refleti-la. Já pouquíssimas atingiam sua própria SUPERNOVA - o tipo mais devastador de detonação estelar - ou o suicídio, no caso de Helm. Ele parecia poder ver o Dragão Verdejante em sua frente lhe repetindo essas palavras: Você é a peça chave de um grande quebra-cabeça, mate-se e uma nova possibilidade surgirá para você poder corrigir todos os seus erros, pois você não pode morrer Helm, tal desejo não lhe será concedido neste universo.
Helm estava cansado de ser humilhado e rejeitado. Seu único amor havia lhe traído com seu irmão gêmeo, sua mãe matou a si mesmo por vergonha social, mas o punhal que trazia sob seu manto o libertaria deste mundo, ele precisava de uma nova chance, para corrigir seus erros.
Sob seu desejo o MEGA OVOLUN, o dado mágico de vinte lados iluminou-se em um roxo obscuro e um punhal projetou-se sobre sua mão. A arma mágica luminosa rasgou sua garganta libertando o sofrimento junto com o sangue que se esvaia. E então, as trevas da Morte abraçaram-no no ultimo embalo do sono eterno acalentando sua viagem rumo à mansão dos mortos enquanto seu corpo submergia nas profundezas do Lago das Lágrimas, o poderoso dado de vinte lados mágico conhecido como MEGA OVOLUN desapareceu nas profundezas apagando sua luminosidade.
Mais alguém havia quebrado o rígido código de proteção a vida dos Inaradrinn além de sua mãe.
E este alguém era Helm Castelo Cinzento.
A própria vítima.
 

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