Helm Castelo Cinzento - 10


Reino Élfico de Inaradrinn, 23 de Maio de 1980.

Helm adentrou o gigantesco Palácio Real escoltado pelos seus antigos companheiros. Ele sabia que não haveria misericórdia no julgamento implacável do Rei: ele seria expulso para nunca mais voltar.
O salão ao qual Helm foi levado estava repleto de rostos conhecidos. Todos já haviam ouvido os rumores de seu retorno e encontravam-se lá para velo ser julgado como um criminoso. Como alguém que ao deixar seu lar comete um terrível crime.
Na verdade Helm não deixou, ele fugiu.
No fundo do gigantesco salão havia dois tronos de cristal cravejado de esmeraldas onde se encontravam o Rei Erwenth e a Rainha Arian. O local todo estava repleto de rosas vermelhas e lírios dourados, como Helm muito bem sabia que se faziam quando alguém estava para receber a pena máxima por um crime. As rosas vermelhas representavam a justiça do Rei Erwenth assim como os lírios à misericórdia da Rainha Arian.
Helm ajoelhou-se perante o trono e permaneceu em silêncio.
O Rei Erwenth sorriu ao rever Helm e sua face revelou uma compaixão percebida por todos. Ewok sabia muito bem o quanto seu pai amava seu primo bastardo e Ewok invejava isso mais do que tudo.
Helm foi observado durante longos segundos por sua majestade em silêncio, então:
― Helmnaliss, meu sobrinho. É uma honra tê-lo de volta em nossa casa a qual fora à casa de seu pai, Elmer Castelo Cinzento e a de sua mãe Hakna, minha querida irmã que agora descansa junto de nossos antepassados. ― disse em alto e bom som o Rei para que todos pudessem ouvir e suas palavras atingiram em cheio o orgulho dos ali presentes que não estavam nem um pouco honrados com a volta do Meio-Elfo.
Helm levantou-se com os olhos cheios de lágrimas. Um burburinho percorreu o salão.
― Perdoe-me majestade por eu ter deixado nosso povo. ― desculpou-se com uma referência totalmente surpreso pela maneira pela qual seu Rei lhe recebera. E embora estivesse prestando atenção ao Rei seus olhos procuravam incessantemente por alguém que não se encontrava ali.
― Não há o que se desculpar Helmnaliss. Você faz parte de dois mundos totalmente distintos e isso deve lhe trazer muitas dúvidas. Mas esta é a sua casa e sempre será se assim você desejar. ― disse o velho Rei sorrindo como um pai orgulhoso da vitória de um filho.
Helm olhou para Ewok assim que ouviu as palavras do Rei e viu sua indignação, mas não só a dele e sim de todos que estavam ali. O Rei Erwenth havia pegado todos de surpresa, não era segredo algum o quanto ele amava Helm, mas permitir que alguém que quebrasse o protocolo de lealdade voltasse a viver em Inaradrinn era um fato raro.
― Majestade ― disse Ewok com uma reverência ― Este homem ao qual você diz ser bem vindo faltou com a lealdade com nosso povo ao abandonar nossa tropa em batalha contra os inimigos do mundo exterior. Ele era nosso líder, elfos morreram. Ele fugiu com o segredo de nossa existência em seu poder e pode muito bem ter revelado aos homens. Deve ser condenado e julgado como um desertor, pois é isso o que ele o é.
Helm fulminou seu primo como olhar e fincou suas unhas nas palmas de sua mão até sangrarem. Ewok tinha seus próprios motivos para odiá-lo e nenhuma delas era pelo fato de ele ter ido embora um dia. O motivo se chamava: Ariakness – o grande amor dos dois amigos.
― Não diga isso filho. Não tenha sempre a mão levantada para seu irmão. Helmnaliss não é como nós e você deve aceitar isso. Ele partiu em busca de respostas sobre seu passado e isso não é crime algum. ― declarou o Rei para todos que julgavam Helm em seu interior ― Eu confio que nosso segredo está muito bem guardado com ele assim como que com você. Ele sempre será bem vindo em minha casa.
Ewok esmurrou um dos vitrais da sala do trono e cruzou o salão até a saída empurrando todos em seu caminho, mas antes de sair virou-se para encarar o Rei Erwenth:
― Não me compare a este homem Majestade. ― gritou com repugnância tentando evitar olhar para Helm ― Ele é um traidor! Foi desleal com nosso povo depois de tudo o que fizemos por ele. Tenho certeza que logo nossa terra será destruída por aqueles a quem ele vendeu nosso segredo. Não tenho dúvidas quanto a isso. ― e dizendo essas palavras retirou-se do recinto com sua tropa a reboque.
E mais nenhuma palavra for proferida naquele salão naquele dia.

*****

Muitos anos se passaram desde que Helm voltara a Inaradrinn e apesar de estar de volta no único lugar do mundo que ele pudesse chamar de lar, literalmente ele não se sentia em casa. Seu mundo estava transformado.
As coisas continuavam iguais a quando ele havia partido, mas era Helm quem estava diferente. A maneira como ele sentia as coisas, a maneira como ele via cada um. Agora ele sabia o que havia lá fora. Fora das fronteiras de suas percepções sobre o mundo e sua vida.
Apesar das calorosas noites de festas sob as cúpulas das gigantescas árvores Helm sempre se sentia sozinho e culpado. Ariakness, seu grande amor havia fugido anos atrás a sua procura e nunca mais aparecera. Isso custara sua amizade com Ewok, mas verdadeiramente Helm nunca acreditara que alguém tenha realmente sido seu amigo.
Helm estava de volta. De volta ao mundo secreto e mágico dos elfos das florestas. Seus dias como Ranger também estavam de volta e noite após noite ele observava obcecado o punhal draconiano que carregava como um amuleto sob sua capa enquanto deambulava sob a beira do lagos das ninfas. Ou quando contava as estrelas do alto das cúpulas dos Entes mais antigos de Inaradrinn.
Mais uma vez seu mundo estava incompleto. Seis anos haviam se passado desde que voltara e nenhum dia sequer ele se sentiu feliz. Mesmo sabendo de tudo o que ele sempre buscara: a história de seu pai, a origem de sua linhagem. Nada disso lhe fizera mais completo.
Um mestiço de sangue sujo era o que diziam por suas costas. Helm sempre soubera e isso não mais o incomodava, pois por diversas vezes imaginara revelando sua verdadeira forma e acabando com a vida de todos ao seu redor. Se ele o quisesse poderia, mas Helm não queria mais assassinatos em suas costas.
Seus dias como Ranger nas fronteiras de Inaradrinn combatendo orcs e outros seres sombrios não mais faziam sentido. Não mais lhe significavam nada.
 O que será que realmente existe lá fora? Quem eram os dragões metamorfoseados em exércitos de mortos-vivos? E os dragões de fogo na destruição da cidade de Áquila? O velho anão e o jovem general dos exércitos arthaniano? Pensava ele todas as noites.
Helm havia visto o que havia fora de sua caverna pessoal, o que havia fora das fronteiras élficas e o mundo que se estendia além das fronteiras de sua opinião. Dias após dia caminhando solitário entre as trilhas de folhas secas ele contemplava sua morte através do reflexo do punhal draconiano.
Ele não conseguia entender como aquilo poderia ser a chave para todas suas perguntas, como é que aquilo poderia libertá-lo de suas dúvidas mais intrínsecas. Dúvidas que ninguém naquela terra poderia entender. Talvez fosse melhor ir embora novamente, mas de uma vez por todas, pensava ele.
Certa noite, cansado de estigmatizar-se com suas dúvidas Helm subiu até o ponto mais alto do Palácio Real. Escalou todos os galhos e andares do imenso palácio e chegou até a cúpula onde de lá podia ver as estrelas e fim das fronteiras de seu reino secreto.
De lá, Helm observou em silêncio a noite enluarada coalhada de estrelas. O clima quente e ameno que se fazia o ano inteiro na terra dos elfos acalentava seu espírito como em uma noite de fim de ano onde o espírito mágico da transformação pode ser sentido por todos. E a comunhão da solidão também.
Helm sacou o punhal de sua capa e olhando sua face através do brilho dourado da lua sussurrou em direção as estrelas:
― Dourado Implacável... Se estiver aí em algum lugar... Saiba que estou pronto para partir... Deixar este mundo em busca de algo que me liberte da dor... Eu quero a verdade e nada mais... Se realmente não pertenço a este lugar me ajude... Venha até mim, preciso velo. ― terminou Helm vendo diversas estrelas saírem do céu e formarem lá no firmamento a forma de um imenso dragão dourado.
Helm as viu evaporarem brilhando intensamente até desaparecerem por completo.
― É um prazer reencontrá-lo Helm Castelo Cinzento! ― disse uma voz tão antiga quanto um dragão sob suas costas.
Helm sorriu ao ver o mago de longas barbas brancas embrulhado num manto dourado apoiado em seu cajado sentar-se ao seu lado.
― Acho que é agora que vem aquela parte onde você me diz o que é que você quer não é? ― disse ele sorrindo... 

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