Helm Castelo Cinzento - 2


Áquila, Hospital Geral, 1380.
Seis anos antes do suicídio.

Nem todos os seres que procuram a Morte são aceitos por ela, alguns como Helm, são mais interessantes habitando no plano material. Tudo o que ele mais buscou na vida era um sentido para sua existência, um motivo para acreditar que talvez ele fizesse parte de algo grandioso. Mas, Helm sabia que na verdade todos viviam presos em um mundo de caráter ilusório, onde a maior vitória nada mais é do que a aquisição de bens materiais. A vida parecia uma espécie de jogo, onde cada um interpreta seu personagem e vai somando pontos até o Sonho acabar e você descobrir que jogou o jogo com as regras erradas.

*

Helm abriu os olhos com dificuldade, havia uma sala cirúrgica a seu redor, ele estava em uma instituição de saúde. Em seu crachá de identificação estava escrito:

Hospital Geral de Áquila
Paciente: Heian Ruína de Dragão
Estado Mental: Distúrbio de Realidade com Negação do Próprio Eu

 No ar havia um leve cheiro de de éter e produtos hospitalares. Seu corpo parecia estar estraçalhado e um ferimento de lâmina riscava seu abdômen, Helm então se lembrou de quando abandonara sua terra natal anos atrás em busca de respostas sobre sua paternidade. Mas daí depois disso era como um sonho, de lugar em lugar sem se lembrar de como chegou aqui e ali, algo estranho estava acontecendo com a realidade.
― Eu tinha certeza que você estava vivo Fada miserável. Vocês Mestiços possuem o sangue ralo igual uma cadela velha, mas não morrem assim tão fácil não é? ― disse uma voz rouca e granulada típica de um fumante - Ninguém imaginaria que você acordaria desse coma um dia!
Helm olhou em direção a voz e viu um velho Anão recostado sob a soleira da porta olhando-lhe pelo canto do olho enquanto fumava seu charuto. Sob suas costas repousava um belo machado de batalha, ele também estava vestido com uma jaqueta preta com mangas compridas em dourado, desde o  ombro até os punhos. Sob o coração o símbolo em forma de triângulo e em baixo Demolidores Cruzados estava bordado em dourado, do lado direito também bordado em dourado estava escrito ZINKT e em baixo AZIMUTE, e mais abaixo, na borda direita estava o algarismo de sua patente: 1. Em suas costas estava bordado em letras grandes o local da facção ao qual pertenciam e na deles estava INDIE, o que não fazia o menor sentido, pois esse lugar era desconhecido por Helm.   
Helm suspirou, um Anão de longas barbas castanhas com um liso e comprido cabelo castanho, membro de facção religiosa era tudo que ele não precisava. Ele se perguntava como viera parar ali em um hospital de saúde mental e como a porra de um Anão estaria em sua frente, ele nunca havia visto um de verdade até agora. Helm percebeu que eles não eram tão baixos como se diziam nas lendas antigas, eles possuíam a envergadura bem mais larga e forte que a raça Humana, mas eram em todos aspectos idênticos aos Humanos, só que um pouco mais baixos e parrudos. E Helm estava achando espetacular poder ver um Anão de verdade, era melhor que circo. Em Inaradrinn, a terra dos Elfos Verdes, ninguém entrava.
― A minha vontade é enfiar uma espada no meio da tua garganta e te rasgar até embaixo, só para ver a barrigada cair na terra, aberração do caralho! Que merda de coma você está falando? Está viajando retardado? - disse Helm entre dentes com um olhar maligno enquanto mordia os lábios em um desejo ardente de matar o Anão a sua frente.
Zinkt já havia se antecipado e estava preparado, além disso ele havia retirado as armas e o símbolo sagrado do jovem clérigo, não tinha como ele se dar bem, ainda mais somente vestido com sua roupa hospitalar roxa, seu OVOLUN também havia sido retirado. Todo o quarto era decorado em tons verdes, todos os equipamentos eram de algo que transcendia a magia. Era a tecnologia alienígena de Áquila. As paredes eram escuras feito obsidiana, com linhas verdes florescentes contornando a porta. Os anos que Zinkt atuou como guerreiro em Orionhorrin, o Reino dos Anões e depois em Ivendor, o Reino dos Elfos, como Demolidor Cruzado, lhe fez evoluir muito, principalmente o combate corporal desarmado. E com isso Helm não teve sorte alguma em sua investida quando saltou de sua maca, pois Zinkt desviou do primeiro cruzado de direita, bloqueou o gancho de esquerda e novamente se esquivou do terceiro golpe que na verdade foi um chute alto de canhota em direção a seu queixo, fazendo com que o Anão abaixasse seu tronco passando por baixo do golpe, para logo em seguida gritar:
― Chupa essa filho da puta! 
O gancho de direita que mais parecia uma martelada, explodiu no nariz do Meio-Elfo, que levantou no ar feito um saco de batatas espirrando sangue pelo ar e suas vestes. Mesmo depois de anos sem mexer um músculo, o Meio-Elfo havia recuperado quase toda sua força, estava mesmo se curando sozinho.
― Lida com isso agora seu bosta. - sugeriu Zinkt sorrindo vendo Helm ir ao chão lavado de sangue, trocando as bases dos seus pés enquanto ajustava as mãos fechando a guarda.
- Chega mais que eu quero furar teus olhos só com os mindinhos. - confessou Zinkt mostrando os dois dedos grossos e dando passos para trás chamava Helm com as duas mãos freneticamente.
Do jeito que Helm foi ao chão ele já caiu rolando e num salto ele agarrou uma cadeira e arremessou sobre Zinkt que com apenas um soco despedaçou o objeto, mas Helm já estava novamente sobre ele e o velho Anão apenas sentiu os dois pés do Meio-Elfo lhe acertarem em cheio o peito fazendo-no voar em direção aos equipamentos hospitalares do quarto. Helm sentiu que a dor em seu nariz desaparecer como que se ele estivesse se regenerando sozinho e parar de sangrar. Os dois lutavam muito bem de forma desarmada, normalmente até mesmo guerreiros e outros combatentes, quando não possuem treinamento específico, sofrem várias desvantagens em uma batalha. Por isso os dois se reconheciam como combatentes com treinamento militar específico. Afinal, os dois eram Demolidores Cruzados, cada uma de uma facção diferente.
― Parem com isso já, seus filhos da puta! ― ordenou um jovem guerreiro de cabeça raspada vestido com o uniforme dos Demolidores Cruzados que adentrava a sala.
Helm estacou onde estava, pois o guerreiro Humano de não mais que trinta verões possuía em sua jaqueta as identificações: Crowe Diauroke, Demolidores Cruzados, Patente 2, Local Indie. Ele colocou sob sua cabeça um óculos de realidade virtual de cor verde florescente que automaticamente já fez surgir em sua mão uma espada bastarda de ácido verdejante, assim como um escudo grande de ácido também. Aquilo era a mercadoria mais valiosa e desejada por todos da sociedade, um óculos capaz de realizar desejos em troca de ouro que poderiam ser debitados direto em sua conta, para projetar em suas mãos ou ao seu redor tudo que somente a CORPORAÇÃO OVOLUN pode construir para seus consumidores, pois no visor frontal uma inscrição surgiu, a inscrição mais desejada em todo Multiverso:
OVOLUN. Helm também possuía um, recebido quando formou-se em em Inaradrinn, nos Demolidores Cruzados de lá, mas com certeza, todos seus pertences foram levados.
― Você nem me esperou, Zinkt Martelossangrento? ― disse o guerreiro olhando através do óculos verdejante para o Anão.
― Agora eu quero matar vocês dois! Duas belas cadelas da deusa cadela! - disparou Helm sorrindo e babando enquanto os dois olhavam-no espantados - E eu ainda quero esse óculos que faz surgir espadinha na mão… Sua puta branquela do caralho!
Zinkt, o Anão guerreiro, da beira da porta sacou seu grande machado de batalha pronto para golpear, mas acabou dando um passo para trás quando o capitão bloqueou sua passagem com o braço.
― Não faça isso senhor. Deixe que eu cuido desse élfinho lenhador.
Crowe Diaukoke, bloqueou os três socos de Helm apenas com seu escudo, contra-golpeou com a espada verdejante inutilmente, enquanto Zinkt contornava os dois para flanquear Helm. O capitão aumentou a guarda e manteve-se em defesa total, Helm aproveitou a oferta e distribuiu mais três socos diretos sob o escudo, mas sua dureza era tão grande que nem mesmo arranhou a pintura. Zinkt golpeava por trás, mas também via seu machado encontrar o vazio por todos os lados, o Meio-Elfo era habilidoso demais.
― Quem diria, três Demolidores Cruzados, lutando pra ver quem é o mais fortinho do rolê. - disse Helm sorrindo, batendo palminha e dando pulinho pé por pé.
― Pare Heian! Precisamos de você, estamos aqui, pois recebemos uma mensagem da Mãe dizendo que despertaria hoje e viemos resgatá-lo! ― explicou o jovem capitão dos Demolidores Cruzados.
Helm sentiu quando o capitão aproveitou o momento de seu ataque e colocou o Anão em posição certa para lhe flanquear. Zinkt desceu a machadada no lombo de Helm sem dó, encontrando o vazio no primeiro golpe. Girou o corpo e deu dois passos sobre Helm que se afastava em defensiva, e fez a lâmina desenhar um arco ascendente que assobiou e espalhou faísca assim que a lâmina lambiscou o chão de pedra. Crowe Diauroke golpeava com sua espada de ácido que gotejava veneno em cada espaço contrário aos golpes de Zinkt, mas não adiantava, o lazarento do Meio-Elfo escapava para todos os lados. Era como espetar macarrão com patilinho, o bicho era liso demais.
― Vocês dois são uns bosta mesmo. Não conseguem nem acertar um élfinho lenhador, precisam de dois de vocês para bater de frente comigo? Puta que pariu, eu devo ser foda mesmo não acham pataiada? ― declarou Helm se esquivando graciosamente dos golpes triplos de ambos os lados.
Helm tinha talento de sobra para desfilar ou dançar na frente dos dos Demolidores Cruzados, e era isso que ele estava fazendo. Enquanto os dois ficavam de um lado para o outro golpeando, Helm saltava e rolava de uma forma que os dois só viam o vulto da barba, mas não conseguiam acertar nem sua capa. Nem para dizer que sujaram a roupa dele.
― Fim de jogo para a Humanidade! - decretou Helm acertando uma bicuda decisiva na boca do capitão que caiu de joelhos já partindo a testa de frente no chão e apagando num sono profundo.
― Elfo lazarento filho duma puta! Arrombado do caralho! ― desgraçou Zinkt sentando a machadada na reta da cabeça de Helm berrando igual louco, vez após vez sem acertar nada.
― Você é uma piada Anão de merda! ― decretou Helm girando o corpo em um chute aéreo macetando seu calcanhar em cheio no maxilar do Anão que balangou, mas não caiu, levando em seguida uma cabeçada no meio da boca para desabar. Sangue espirrou para todos lados além de dois dentes.
Zinkt pensava enquanto pranchava no chão, que o Meio-Elfo batia firme, mas não firme o suficiente para deitar um Anão, ainda mais Zinkt Martelossangrento, o líder supremo dos Demolidores Cruzados. E assim que caiu no chão já caiu colocando o óculos verdejante do jovem capitão desacordado. Seus ferimentos se curaram e então ele já levantou e mandou a machadada de novo, mas para cada ataque Helm lhe presenteava com um chute em suas costas ou na cabeça, costas e nunca, sempre com as mãos para trás, humilhando da forma que podia o velho Anão que babava sangue. Zinkt ficou feliz de não ter ninguém de pé para ver surra que ele estava tomando do Meio-Elfo.
― Heian do céu! Você despertou seu…
Mas de surpresa ao lado do Anão sob a soleira da porta, surge uma velha Bruxa Verdejante embrulhada em um manto de feiticeira, com o cabelo verde e liso, sua pele roxa cheia de feridas e verrugas possuíam vermes entrando e saindo de seu corpo. Em sua mão cheia de dedos longos e decrépitos, haviam anéis de poder que  brilhavam com a magia neles aprisionada. Ela levantou sua mão e apontou o dedo para o Anão, e disse:
― De novo essa palhaçada aqui no meu reino seu Anão desgraçado? ― chegou questionando a bela Bruxa com sua voz parecendo o coaxar de milhares de sapos do pântano enquanto apontava o dedo cadavérico para o Anão que flutuava ao ar com o corpo paralisado para vê-la recitar um feitiço de Morte.
Zinkt tentou resistir ao encanto do ser maligno a sua frente, mas derreteu dentro do uniforme dos Demolidores, assim como seu amigo capitão, a vontade dos dois alvos foi ínfima perante o poder devastador da bela Bruxa Verde. Um caldo de carne quente com sangue e gordura escorreu junto a ossos pelo chão transformando a existência dos dois em mera lavagem. Helm observou com fascínio a criatura bela e apavorante, ele sentia algo sobrenatural por aquele cadáver podre e animado de uma bela mulher morta. Havia algo naquela Bruxa que se comunicava com ele, uma certa familiaridade indescritível.
― Você da um trabalho tão grande Helm, que se você soubesse ― parou para apontar o dedo para a face de Helm ― você nem aparecia mais por aqui! ― advertiu a Bruxa Verde se envolvendo nos braços do Meio-Elfo, enquanto lhe beijava loucamente e os dois tiravam suas roupas.
Eles deitaram sob o piso do quarto do Hospital Geral, todo coberto pelos restos mortais dos dois Demolidores Cruzados e fizeram amor ali mesmo, de forma louca e selvagem, um pouco mórbida também, ensangüentada e nojenta.
― Quem é você Bruxa gostosa do caralho? ― gemeu Helm no ouvido da mulher morta enquanto lhe penetrava com um misto de nojo e prazer sob o chão ― Eu tô sonhando?
― Cala a boca e me fode porra! ― ordenou a Bruxa Verde tapando a boca de Helm, girando sobre ele e cavalgando velozmente.
Ela precisava fazê-lo se libertar dessa realidade na qual ele se inseriu. E para isso Helm iria precisar encontrar seu próprio OVOLUN, o sexo de nada ajudaria nesse intento, a Bruxa só estava querendo satisfazer seus desejos carnais, pois ela não estava morta, só estava um pouco podre. E eles fizeram amor por horas, ao final estavam todos ensangüentados e nús, Helm podia até sentir o gosto de ferro e gordura que os corpos possuíam.
A Bruxa Verde deitou ao seu lado depois que ambos gozaram muito. Ela pegou o OVOLUN, o óculos verdejante com poderes mágicos, só que através de tecnologia alienígena e colocou sob sua cabeça, prontamente o artefato tecnológico iluminou-se com um brilho verde e em seu visor frontal uma barra de porcentagem carregou cem por cento. Nas mãos da Bruxa surgiram um cigarro de Belasdraconiana, além de dois Beloscogumelos amarelos. Ela colocou em sua boca assim como um na de Helm, e assim que colocou o cigarro em sua boca ele acendeu. Ela tragou lentamente fazendo avermelhar a ponta, tragou como que se sorvesse toda a vida do Multiverso para dentro de si e assim que exalou a fumaça laranjada, direcionou até Helm que sem resistência alguma desmaiou.
A última coisa que ele viu foi a bela Bruxa Verdejante com o OVOLUN em sua cabeça beijar-lhe a boca novamente.

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