Guerra Psíquica - 3


A sociedade capitalista dopou sua mente e ele acreditou que o importante é mostrar nosso interior pelo o que temos no exterior.
Heian estava tentando se libertar.
Mas uma bala certeira sob o pneu traseiro de sua 600cv fez com que perdesse o controle sobre o asfalto coberto de óleo diesel e se esborrachasse no chão.
Heian e a moto deslizaram como pedras giratórias sobre um lago plácido até chocar-se contra uma pilha de lixo sobre a guia do meio-fio. Sua pele que antes transpirava medo e desespero, agora estava tingida pelo escarlate da dor e exibia o reflexo de uma mente doentia. Heian não entendia o valor da vida, há muito havia desistido de seus sonhos. Heian aprendeu a negar a morte, e esqueceu-se da limitação da vida. Mas agora chegava minha hora de acordar esse cara.
Estavam no bairro central da cidade, um lugar dominado pelo tráfico e o crime, um lugar onde meus soldados geralmente não entravam muito menos tipos como os de Heian. Dali pra frente era uma questão de tempo até o jovem franguinho ser morto por um viciado em crack qualquer, ou uma puta psicótica com desejo de sangue.
Heian Hakinavis estava todo ralado e haviam alguns ossos quebrados. Sua face estava melada de sangue e assim que a primeira gota pingou no concreto da calçada eu enlouqueci. Entendi como uma vida pode ser destruída em segundos, agora Heian iria parar pra pensar na vida e toda merda que ele fez e sobre os sonhos que ele deixou de buscar.
Seu sangue era como o mais doce néctar para o vampiro mais voraz do mundo das trevas. Meus soldados recuaram. Uma chuva fina começou a cair como nada mais que o suor da alma de uma cidade que brilha sozinha. As moléculas do sangue começaram a mesclar-se com os átomos que compunham minha existência, o gosto da poeira do meu asfalto agora secava a boca da mosca sob a teia.
Foi a primeira vez que entrei em contato com Heian Hakinavis como eu disse. Olhos curiosos sondavam o jovem acidentado dos becos, sob as janelas dos prédios abandonados, da porta dos bares e boates. Ele não fazia a mínima idéia de que porra toda era essa, só pensava em voltar pra casa em mais uma noite qualquer de sexta-feira, tomar sua cerveja e cheirar sua cocaína para escrever seus quadrinhos marxistas e sua obra literária que me crucificava.
O destino é mesmo um velho enrugado estuprando seu tempo e sua vida, Heian sabida disso, mas estava ferido de morte e sabia que não mais resistiria. Seus olhos moribundos olhavam ao redor e só viam vultos sob a calçada, risos e piadas sobre sua condição e teve certeza que ninguém iria ajudá-lo.
Ele havia escrito que ninguém o ajudaria.
Tentou levantar a mão e pedir ajuda, mas tudo o que conseguiu foi uma mão em seu bolso traseiro roubando sua carteira recheada com o salário mínimo destinado aos escravos da falta de oportunidade. Todos sabiam que essa sacudida estava valendo a pena, se Heian sobrevivesse, seu café da manhã do dia seguinte seria o mais saboroso do que todas as refeições que todos haviam feito na vida.
Senti uma onda de piedade inundando meu ser, mas Heian era apenas mais uma célula no grande organismo social. Seu sangue e seu sofrimento abalaram as estruturas do meu ser. Nunca senti tamanho prazer em me drogar com a essência de alguém. Heian era raro, de espírito forjado com as lágrimas e a fúria de alguém abandonado e consumido pelo ódio do passado. Ele sabia que as coisas estavam erradas, uma sociedade que se baseia na necessidade de se explorar e quem mais conseguir explorar será mais feliz.
Que porra é essa? Isso é a vida que Deus quis?
Divaguei sobre a possibilidade de formá-lo um soldado de minhas linhas de infantaria imaginária enquanto a morte vinha abraçá-lo. Imaginava mil e uma coisas que poderia ser feita com aquele ser caso ele se vendesse completamente ao ódio e sua taxa de cólera já beirava os noventa e novo por cento. Ele estava despertando pra vida ao contemplar a proximidade da morte.
Quem será que havia feito tanto mal assim a este jovem rapaz? O sistema? A sociedade? De longe meus soldados fardados como porcos sagazes de armas em punho só olhavam a multidão em volta do moribundo sem adentrar o território alheio. Heian estava em choque, isso só poderia ser fruto de sua mente, nada disso estava acontecendo. Suas histórias eram fantasiosas e não poderiam se concretizar em realidade.
Em Áquila, odeio referir-me na terceira pessoa, os políticos cuidavam da lei junto aos criminosos, não havia intervenção do estado lá dentro, pois os mesmo bandidos que compunham as facções criminais também compunham as facções militares. Era tudo a mesma merda. Bandidos elegeram políticos para moldarem a lei a seu próprio bem e o cheque mate foi à eleição do prefeito mais corrupto e decadente da história da minha vida e a instauração da Lei Marcial.
Heian sabia que estava no inferno. Então o diabo tocou sua trombeta avisando a todos que a morte vinha embalada em pólvora e berros de desespero.

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