Guerra Psíquica - 7


Heian ouvia a tudo com atenção, mas recusava-se a acreditar que estava vivendo em uma situação que ele mesmo havia escrito em suas obras e quadrinhos. Zink de Holderheck não mudara ao longo do tempo, continuava o mesmo senhor de barbas e cabelos brancos. Mesmo com seus sessenta e poucos anos mantinha seu porte físico desenvolvido e um sorriso paterno que transmitia segurança sempre que algo ruim acontecia em sua infância.
  Ele e seu irmão mais velho, Helm, haviam perdido os pais ainda bem pequenos. Sua mãe morrera no parto de Heian e seu pai, Elmer Hakinavis fora assassinado, desde então os meninos foram morar com a avó materna e Zink de Holderheck ajudou a alimentá-los e instruí-los até a fase adulta.
Heian estava calado, apenas refletindo sobre sua vida e seu passado e tentando aceitar o mundo no qual ele teria de viver agora, mas era impossível. Zink o levou até o térreo onde ficava sua oficina de carros e ao longo do caminho explicou a Heian sobre como Áquila era imparcial em relação a aqueles que desrespeitavam suas leis.
Não se podia sair pelas ruas depois das dez da noite, era proibido se reunir para conversar em vias públicas, todos possuíam chips de identificação em suas mãos direitas contendo todos os dados de sua vida. Não se podia sair da cidade e nem entrar e sair sem escolta militar e autorização do prefeito de cada colônia. Que todas as petrolíferas, os bancos e as grandes indústrias farmacêuticas, tecnológicas, bélicas, alimentícias, hospitalares enfim tudo estava no monopólio da Corporação Ovolun.
Heian estava arrasado com a realidade, há poucos minutos ele estava nos braços de sua amada Ariakness e achando que aquele mundo não estava lhe satisfazendo decidiu voltar e encontrou a pior das situações possíveis. Encontrou um mundo sobre o qual ele havia escrito em seus quadrinhos e seu livro e no qual ele agora era obrigado a viver.
─ Eles planejaram tudo com antecedência. Haviam campo de concentração espalhados em todos os países onde eles levavam os rebeldes e os incineravam. A população mundial fora reduzida em quinhentos milhões de habitantes e o plano deles se concretizou. ─ explicou Zink entristecido levando Heian até a cozinha de seu escritório.
Heian entendia tudo perfeitamente, mas uma peça não se encaixava.
─ E a Corporação Ovolun se interessou em meu trabalho por qual motivo?
Zink começou a preparar um café e acendeu um cigarro para explicar, há tempos Heian não sentia esses cheiros e seus olhos brilharam por sentir-se vivo com uma coisa tão simples, usar seus sentidos naturais. Os azulejos brancos e esburacados que cobriam as paredes da cozinha, o armário azulado sobre a pia, o fogão vermelho de metal, a mesa para quatro lugares, a janelinha de vidro que dava para uma rua sem saída, suas pantufas de urso, seu roupão cor de rosa, a lâmpada amarela de sessenta watts...
 ─ Heian! ─ gritou Zink sem tirar o cigarro da boca segurando o amigo pelo braço que já estava despencando de costas da cadeira ─ Você não está bem, cara. Quase desmaiou. Escutou alguma coisa do que eu te disse?
Heian abriu os olhos devagar.
─ Hã?
─ Olhe, beba esse café, o sabor é bom e é real. Você precisa se recuperar. Abra sua boca, isso, bom garoto, beba só um pouco. Ok.
Heian empurrou a xícara de café e tapou a face com as mãos. Queria voltar, voltar a dormir e nunca mais acordar, não nesse mundo. Ele queria era voltar para seu sonho, para seu coma e não estar desperto nesse pesadelo.
─ Porque eu não fiquei em um hospital?
─ Eles querem tua cabeça rapaz. Depois que anunciaram que você faleceu. A Corporação Ovolun ficou com os direitos autorais de seu livro e foi o maior sucesso de vendas rapaz. ─ Zink disse isso orgulhoso, mas viu que Heian ficara chateado, pois ele fora roubado.
─ Eles até criaram um MMORPG, um tipo de jogo online para milhares de jogadores onde você cria e controla um avatar totalmente baseado em sua obra, com classes e raças exclusivas: ou você é humano ou antropomórfico.
 ─ Eu trabalhei em uma maldita linha de produção durante toda minha vida construindo armas de fogo para esses filhos da puta matar inocentes, e ainda por cima o que eles fazem? ─ indaga Heian exaltado batendo com as mãos na mesa ─ Eles me roubam, tentam me matar e acabam com minha vida? Quem eles pensam que são?
─ Eles são a lei Heian. Diock Sub’Azzerroze é o presidente da Corporação Ovolun e prefeito dessa cidade. Vivemos em um sistema totalitário, a Lei Marcial nos impede de sermos nós mesmos. Nossos direitos de cidadãos não existem mais. ─ declara Zink conformado com a situação na esperança que Heian se conforme.

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